Sob pressão do presidente Jair Bolsonaro, membros da equipe econômica aceitaram trabalhar pelo reajuste a servidores públicos em ano eleitoral. Técnicos da pasta, no entanto, alertam que a medida exigirá corte de despesas em outras áreas e apontam uma série de travas legais que devem limitar esse aumento salarial. Em evento no Bahrein nesta terça-feira (16), o presidente disse que pretende usar uma parte da folga fiscal gerada pela eventual aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita os gastos com precatórios –dívidas do governo reconhecidas pela Justiça– para a revisão dos salários dos servidores.
“A inflação chegou a dois dígitos. Conversei com o [ministro da Economia] Paulo Guedes, e em passando a PEC dos Precatórios, tem que ter um pequeno espaço para dar algum reajuste”, afirmou.
Segundo relatos, integrantes da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) em reunião com senadores nesta terça não se opuseram à ideia de conceder um reajuste ao funcionalismo, mas ressaltaram que isso exigirá um corte de despesas em outra área do Orçamento –no caso, nas despesas discricionárias (que não são obrigatórias e que bancam o funcionamento da máquina pública).
O ministro da Cidadania, João Roma, que está temporariamente afastado, contrariou a declaração de Bolsonaro. Segundo ele, o espaço no Orçamento que será aberto com a aprovação da PEC dos precatórios será integralmente destinado para a área social do governo.
“Isso [aumento para servidores] não está no nosso elenco. A PEC, o recurso dessa PEC está sendo destinado para a área social do governo”, afirmou Roma, que esteve no Senado para pedir celeridade à aprovação da proposta.
Aliados de Bolsonaro no Congresso ressaltaram que o governo conseguiu conter o reajuste a servidores federais por três anos (2019 a 2021). No entanto, a pressão vai escalar em 2022, ano eleitoral, quando governadores devem conceder aumento para servidores estaduais, o que deixa o Palácio do Planalto sob tensão.
Membros do Ministério da Economia afirmam, porém, que esse debate ainda não foi levado à área técnica da pasta. Estimativas preliminares apontam que o custo orçamentário gerado por cada ponto percentual de reajuste concedido aos servidores federais é de aproximadamente R$ 3 bilhões.
Integrantes do Congresso que trabalham na elaboração do Orçamento de 2022 também relataram que, em nenhum cenário traçado, houve a previsão de reajuste salarial ao funcionalismo. Por isso, a medida exigirá o corte de outras despesas, já que o espaço a ser aberto com a PEC dos Precatórios já está bastante comprometido.
Técnicos responsáveis por gerir a folha de pagamentos do governo afirmam que diversas barreiras na legislação podem frustrar o plano do presidente, viabilizando um aumento considerado irrisório. Isso porque após três anos sem liberação de reajustes, os servidores podem acabar recebendo uma correção salarial para repor apenas a inflação medida nos três primeiros meses de 2022.
A lei eleitoral proíbe reajustes gerais no período de seis meses antes das eleições (início de abril, no caso do pleito do ano que vem) até o encerramento do mandato.
Além disso, mesmo se o reajuste for autorizado antes desse prazo, a lei impede que a revisão ultrapasse a inflação medida dentro do mesmo ano da eleição. Ou seja, nesse caso, o reajuste seria limitado à inflação acumulada entre janeiro e março de 2022, sem incluir o índice de preços observado em anos anteriores.
Membros da pasta afirmam que a legislação eleitoral não impede expressamente reajustes pontuais de carreiras específicas. Bolsonaro, no entanto, afirmou que o aumento planejado será para todas as carreiras do serviço público.
“[O reajuste é para] todos os servidores federais, sem exceção”, disse.
O presidente não disse qual seria o percentual de reajuste estudado pelo governo, mas ponderou que o valor pode ser baixo.
“Não é o que eles [servidores] merecem, mas é o que nós podemos dar”, afirmou.
Técnicos ressaltam que promover reajustes dentro do Orçamento deste ano também não é uma opção. No ano passado, ao liberar um pacote de socorro para que estados enfrentassem a calamidade pública da pandemia, o governo inseriu na legislação um dispositivo para congelar os salários dos servidores públicos até dezembro de 2021.
Ao prometer o reajuste, Bolsonaro citou a PEC dos precatórios, que tem potencial de ampliar os gastos do governo em aproximadamente R$ 90 bilhões em ano eleitoral.
No entanto, esse valor já é esperado para bancar outras medidas anunciadas pelo presidente, como a ampliação do Auxílio Brasil, o pagamento de um auxílio financeiro a caminhoneiros e a viabilização do vale-gás.
Além disso, uma parte precisa ser reservada para custear o aumento de despesas obrigatórias que são reajustadas pela inflação, como aposentadorias e pensões. Por causa da escalada dos preços no país, o salário mínimo precisará subir mais do que o previsto anteriormente, o que também eleva gastos obrigatórios, especialmente na Previdência Social.
Outro fator a ser considerado pelo governo é a resistência do Senado à PEC. A tendência atual é que a proposta seja desidratada pela Casa. Isso reduziria ainda mais a margem para novos gastos em 2022.
Apesar do aceno de aumentos, Bolsonaro diz que permanecerá sendo bastante restritivo quanto à liberação de novos concursos públicos para servidores.
“Concurso público [vamos autorizar] apenas o essencial, como fizemos com a PF [Polícia Federal] e PRF [Polícia Rodoviária Federal]”.
Com essas medidas, declarou o presidente, o compromisso com o equilíbrio fiscal de seu governo está mantido. “Dessa maneira, estamos mostrando responsabilidade”, afirmou.
Diversos analistas e economistas têm opinião oposta, no entanto, e temem que a regra para expandir o teto de gastos acabe gerando instabilidade, afugentando investidores e alimentando a inflação.
Ainda com relação aos servidores, Bolsonaro reafirmou que a reforma administrativa, se aprovada, não valerá para os atuais funcionários, mas apenas para os que entrarem no quadro do serviço público a partir de agora.
A reforma, no entanto, está empacada no Congresso, sem perspectivas realistas de ser aprovada até o final do atual governo.
No evento com empresários do Bahrein, o presidente novamente pintou um quadro róseo do desempenho econômico de seu governo, apesar do alto desemprego, inflação ascendente e perspectiva de estagnação no que vem.
Disse que o Brasil foi um dos cinco países do mundo que menos foram afetados pela Covid, apesar das políticas de isolamento social, que ele chamou de ineficazes.
Nesta quarta (17), Bolsonaro e sua comitiva devem encerrar o giro pelo Oriente Médio visitando o Catar.