Ao cair a noite nesta quinta-feira, os circuitos do Carnaval estariam ocupados por milhares de foliões. Mascarados seriam levados pela voz potente de Margareth Menezes, da Barra até Ondina. No Campo Grande, o clássico trio de Armadinho, Dodô e Osmar avançaria trazendo a nostalgia dos antigos desfiles.
Nada disso, no entanto, acontecerá esta noite e muito menos nas próximas.Pelo segundo ano consecutivo, a pandemia do coronavírus suspendeu a folia em toda a Bahia. Apenas festas particulares, organizadas para um público de até 1.500 pessoas, estão autorizadas pelo governo do estado. A medida, válida até 2 de março, inclui especialmente eventos pré e carnavalescos (marchinhas, blocos, fanfarras e desfiles) previamente organizados ou espontâneos.
Do ponto de vista econômico, o prejuízo com a ausência do Carnaval alcança cifras bilionárias. Um levantamento realizado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), estima que um ano sem a festa representa uma queda na circulação de R$ 1,7 bilhão em Salvador.
Ainda segundo o estudo, 1,2 milhão de pessoas deixarão de circular na cidade e 60 mil trabalhadores ficarão sem desempenhar algum tipo de atividade. Os dois anos de cancelamento da festa representam um prejuízo de quase R$ 3,5 bilhão.
TURISMO AFETADO
No setor turístico, hotéis e agências de viagem estão entre os setores mais afetados pelo cancelamento consecutivo.
“O Carnaval tem um efeito duplo na cidade, porque além de ser um período que consegue atingir picos de 100% na ocupação dos hotéis, ainda consegue valorizar os pacotes em até seis vezes mais que em épocas comuns”, explica Luciano Lopes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis na Bahia (ABIH-BA).
Ainda segundo o representante, os oito dias do pacote básico de Carnaval representam cerca de 11% do faturamento anual do setor. A ausência da festa fará com que os hotéis deixem de movimentar R$ 80 milhões.
Nas agências de viagem, a queda do movimento também é sentida. Os números, no entanto, ainda não foram consolidados pela Associação Brasileira de Agências de Viagem na Bahia (Abav-BA).
“É claro que sentimos uma queda, mas, diante da situação, até que não caiu tanto. A gente recebe os turistas que já tinham comprado suas viagens e não querem perder e aqueles que, mesmo comprando mais em cima da hora, acabaram aproveitando que os pacotes não tiveram o aumento de valor que é comum no Carnaval”, explica Jean Paul Gonze, presidente da entidade.
A indústria do Carnaval impacta não só o faturamento de fevereiro, tendo reflexos durante o ano inteiro. “O Carnaval dá a Salvador uma presença espontânea na mídia que é muito grande e acaba trazendo turistas durante o ano inteiro. Sem a festa perdemos essa exposição. Então, o prejuízo acaba se refletindo nos outros meses também”, diz Luciano Lopes.
Para o prefeito Bruno Reis, o sacrifício de não realizar o Carnaval pode ser um dos últimos que Salvador precisará enfrentar até o fim da pandemia. “A ocupação dos leitos de UTI estão abaixo de 50%, o fator RT nunca esteve tão baixo. Com fé em Deus esse fim de semana do Carnaval será o último que teremos que fazer sacrifício. Por isso aproveito para pedir que evitem aglomerações, usem máscara nesse período”, disse durante entrevista coletiva.
“Já estamos vendo o mundo flexibilizar, o Reino Unido ontem já anunciou que a partir de abril deixa de existir qualquer protocolo e passado o Carnaval, vamos estudar quais outras medidas vamos adota de flexibilização”, completou.
REINVENÇÃO
Enquanto não é possível festejar como se está acostumado, quem trabalha organizando a folia precisou se reinventar.
Os produtores criaram festas para se encaixar nas exigências do decreto estadual e dar aos dias de Carnaval o clima de folia. Nos eventos, nomes acostumados a puxar multidões, como Luiz Caldas, Bell Marques e Durval Lelys, agora farão suas apresentações em espaços fechados para um público reduzido.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Sedur), pasta responsável por coordenar o processo de concessão dos alvarás necessários para a realização dos eventos, até a última terça, 14 pedidos já haviam sido protocolados.
Ainda de acordo com a pasta, os pedidos de autorização para o período de Carnaval podem ser protocolados até o meio-dia desta quinta e as autorizações para as festas do fim de semana podem ser concedidas até sexta. A agilidade no processo depende do envio de todos os documentos necessários por parte das produtoras, o que nem sempre acontece de primeira, segundo a Sedur.
“Até o dia 15 de fevereiro, quando saiu o decreto mais recente, a gente não podia fazer nada. Tivemos que planejar tudo em menos de 10 dias”, conta Rodrigo Mello, sócio-diretor da produtora Pequena Notável, que organiza uma festa entre esta quinta (24) e a próxima terça-feira (1).
Segundo o empresário, o planejamento precisou se adaptar, acima de tudo às regras e limitações impostas pela própria pandemia. “Tivemos um 2020 completamente parado, e em 2021 já começou a surgir uma luz no fim do túnel, a possibilidade de fazer alguns eventos que foram importantes pra gente ganhar a experiência necessária com todo o protocolo. Agora ainda estamos longe de ter o Carnaval como era, mas já temos pelo menos uns 30% da alegria de volta. O que a gente quer é fazer rodar a máquina do nosso setor, da forma que for possível”, finaliza.