(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.)
A conduta do procurador-geral da República, Augusto Aras, vem provocando uma profunda crise dentro do Ministério Público Federal (MPF). O alinhamento firme com o governo federal em meio à maior pandemia da história e quando o país está mergulhado em uma crise institucional intensa macula a imagem da instituição e intensifica a turbulência que atinge o setor político. Dentro do órgão, procuradores e subprocuradores se desdobram para preencher a lacuna deixada pelo chefe do Ministério Público.
Na última semana, por exemplo, Aras não assinou uma petição da PGR que revelou detalhes da mobilização para um protesto em Brasília em 7 de setembro, que vinha sendo liderada por apoiadores do presidente, como o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ). Em uma reunião com os organizadores do ato, o artista falou em “invadir (o STF), quebrar tudo e tirar os caras (ministros) na marra”. O documento foi assinado pela subprocuradora-geral Lindora Araújo e serviu de base para a decisão do ministro Alexandre de Moraes que expediu mandados de busca e apreensão contra Reis, Otoni e outras oito pessoas.
Como reflexo da inércia de Aras, nos últimos meses, diversas decisões da instituição relacionadas à proteção do meio ambiente e da saúde da população, ao combate à covid-19 e até acusações contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, têm partido de representações da Procuradoria-Geral da República (PGR) nos estados e das Câmaras do MPF. Enquanto o presidente manteve uma escalada de críticas ao sistema eleitoral brasileiro, alegando fraude sem apresentar provas, e atacou pessoalmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Aras manteve o silêncio. A decisão do procurador-geral incomodou seus pares e os integrantes da mais alta corte do país, fazendo com que ocorra um distanciamento entre a cúpula do Ministério Público e o Supremo.
Em 13 de julho, procuradores regionais eleitorais do Rio Grande do Sul e ex-procuradores eleitorais de São Paulo e do Rio de Janeiro se manifestaram coletivamente em prol da votação eletrônica, que tinha sido alvo de críticas do chefe do Executivo. O recado a Bolsonaro e a Aras foi claro. “O Ministério Público tem a missão constitucional de defender o Estado Democrático de Direito e de fiscalizar as eleições brasileiras. Por essa razão, tendo acompanhado os últimos pleitos realizados em solo gaúcho, podemos afirmar a segurança, a confiabilidade, a celeridade e a integridade do sistema de urnas eletrônicas implantado em nosso país”, declararam os procuradores gaúchos.
Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia chegaram a externar essa morosidade de Aras, que decidiu se defender. Em uma manifestação enviada a Cármen, ele disse que “conferir prazos exíguos e não previstos em lei ao procurador-geral da República para a apreciação de temas juridicamente complexos e de grande impacto social, econômico, financeiro, ambiental, é o mesmo que alijar deste órgão ministerial a sua atuação como custos iuris (fiscal da justiça)”.
Sobre as acusações de que evitaria se posicionar sobre processos ligados a Bolsonaro, ele informou que atuará nas investigações e ações penais “apenas em casos pontuais” e que tem se reservado “ordinariamente” à atuação pessoal em processos judiciais que buscam examinar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo ou em processos na esfera cível em que a competência originária é do STF. Apesar da explicação, Aras corre o risco de ser investigado na Corte por prevaricação. Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano Contarato (Rede-ES) apresentaram uma notícia-crime contra o procurador-geral por alegarem que ele está se omitindo em meio aos ataques de Bolsonaro contra o sistema eleitoral. Os parlamentares também afirmam que Aras não tem tomado providências contra o Executivo pelas falhas no combate à pandemia da covid-19. O ministro Alexandre de Moraes será o relator do pedido de investigação.
A crise se intensifica no momento em que o Senado avalia a recondução de Aras, indicado por Bolsonaro para permanecer à frente do cargo por mais dois anos. No parlamento, se avalia neste momento que ele não tem a quantidade de votos suficientes para continuar no posto — são necessários, pelo menos, 41.
Matéria do Correio Braziliense