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De onde viemos? Para onde vamos? Como somos parecidos ou diferentes daqueles nos antecederam? O que torna o ser humano único?Ao longo dos séculos, diversas áreas do conhecimento, como ciência, religião e filosofia, buscaram dar significados para a existência da humanidade. Do ponto de vista científico, a pesquisa do biólogo sueco Svante Pääbo contribui para responder parte dessas questões relacionadas à evolução. O cientista foi agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina nesta segunda-feira (3).
Entre os feitos citados pelo comitê do Nobel estão o pioneirismo no sequenciamento do genoma do Neandertal, um parente extinto dos humanos atuais. Pääbo também fez a descoberta de um hominídeo anteriormente desconhecido, chamado Denisova.
Além disso, o pesquisador descobriu que a transferência de genes ocorreu desses hominídeos agora extintos para o Homo sapiens após a migração para fora da África há cerca de 70 mil anos.
O conhecimento acerca desse antigo fluxo de genes para os humanos atuais pode contribuir para o entendimento de como nosso sistema imunológico reage a infecções atuais, por exemplo.
Ao revelar diferenças genéticas que distinguem os humanos vivos de hominídeos extintos, as descobertas do biólogo permitem explorar as nuances do que contribui para que os humanos sejam seres únicos. A pesquisa de Pääbo deu origem a uma disciplina científica inteiramente nova, a paleogenômica.
Origens da humanidade
A vontade de entender as origens da humanidade persegue os seres humanos desde os tempos antigos. Áreas como a paleontologia e a arqueologia são consideradas essenciais para os estudos da evolução humana.
A partir da investigação científica, descobrimos evidências de que os humanos anatomicamente modernos, Homo sapiens, apareceram pela primeira vez na África há aproximadamente 300 mil anos. Já nossos parentes mais próximos, os neandertais, se desenvolveram fora do continente africano e povoaram a Europa e a Ásia Ocidental de cerca de 400 mil anos até 30 mil anos atrás, ponto em que foram extintos.
As teorias científicas apontam que, há cerca de 70 mil anos, grupos de Homo sapiens migraram da África para o Oriente Médio, de onde se espalharam pelo resto do mundo. Assim, o Homo sapiens e os neandertais coexistiram em grande parte da Eurásia por dezenas de milhares de anos.
Para explicar como era o relacionamento com os neandertais, cientistas buscam analisar informações genômicas. No final da década de 1990, quase todo o genoma humano havia sido sequenciado, o que permitiu estudos posteriores da relação genética entre diferentes populações humanas. Para o avanço das pesquisas, foi necessário realizar o sequenciamento do DNA recuperado de espécimes arcaicos.
No entanto, o estudo do DNA dos neandertais impõe desafios significativos. Após milhares de anos, restam apenas vestígios do material genômico, que pode ser contaminado tanto com o DNA de bactérias como de humanos.
Em 1990, Pääbo foi recrutado para a Universidade de Munique, na Alemanha, onde deu sequência ao estudo sobre DNA arcaico. O pesquisador escolheu analisar o DNA das mitocôndrias neandertais, que são estruturas em células que contêm seu próprio DNA. Embora o genoma mitocondrial seja pequeno e contenha apenas uma fração da informação genética na célula, ele está presente em milhares de cópias, aumentando a chance de sucesso.
O biólogo conseguiu sequenciar uma região do DNA mitocondrial de um pedaço de osso de 40 mil anos. Pela primeira vez, a ciência teve acesso a uma sequência de um “parente” extinto. Comparações com humanos e chimpanzés contemporâneos demonstraram que os neandertais eram geneticamente distintos.
No Instituto Max Planck em Leipzig, na Alemanha, Pääbo e sua equipe melhoraram constantemente os métodos para isolar e analisar DNA de restos ósseos arcaicos. A equipe de pesquisa explorou novos desenvolvimentos técnicos, que tornaram o sequenciamento de DNA altamente eficiente.
Com a colaboração de especialistas em genética de populações e análises avançadas de sequências, foi possível publicar a primeira sequência do genoma neandertal em 2010. Análises comparativas demonstraram que o ancestral comum mais recente dos neandertais e do Homo sapiens viveu há cerca de 800 mil anos.
A partir deste feito, foi possível investigar a relação entre os neandertais e os humanos modernos de diferentes partes do mundo. Análises comparativas mostraram que as sequências de DNA de neandertais eram mais semelhantes a sequências de humanos contemporâneos originários da Europa ou Ásia do que de humanos contemporâneos originários da África. Isso significa que neandertais e Homo sapiens cruzaram durante seus milênios de coexistência. Nos humanos modernos com descendência europeia ou asiática, aproximadamente 1 a 4% do genoma se origina dos neandertais.
Uma descoberta chamada Denisova
Em 2008, um fragmento de 40 mil anos de um osso de dedo foi descoberto na caverna Denisova, na parte Sul da Sibéria. O osso continha DNA excepcionalmente bem preservado, que a equipe de Pääbo sequenciou. Os resultados apontaram que a sequência de DNA era única quando comparada a todas as sequências conhecidas de neandertais e humanos atuais.
O cientista descobriu um hominídeo anteriormente desconhecido, que recebeu o nome de Denisova. Comparações com sequências de humanos contemporâneos de diferentes partes do mundo mostraram que o fluxo gênico também ocorreu entre Denisova e Homo sapiens. Essa relação foi vista pela primeira vez em populações na Melanésia e em outras partes do Sudeste Asiático, onde os indivíduos carregam até 6% de DNA de Denisova.
O Nobel destaca que as descobertas de Pääbo geraram uma nova compreensão de nossa história evolutiva. Na época em que o Homo sapiens migrou para fora da África, pelo menos duas populações extintas de hominídeos habitavam a Eurásia, segundo os estudos. Os neandertais viviam na Eurásia ocidental, enquanto os denisovanos povoavam as partes orientais do continente. Durante a expansão do Homo sapiens para fora da África e sua migração para o Leste, eles não apenas encontraram e cruzaram com os neandertais, mas também com os denisovanos.