(FOLHAPRESS) – O Ministério da Educação trabalhou oficialmente para nomear o pastor Arilton Moura em um cargo comissionado na pasta. O trâmite burocrático ocorreu por iniciativa do atual ministro da Educação, Victor Godoy Veiga, que na época era secretário-executivo no MEC.
Os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos são peças centrais no escândalo do balcão de negócios do ministério. Eles negociavam com prefeitos a liberação de recursos federais mesmo sem ter cargo no governo.
Prefeitos relataram pedidos de propina, até em ouro. Em áudio revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro disse que priorizava pedidos dos amigos de um dos pastores a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A Folha de S.Paulo teve acesso aos trâmites da tentativa de nomeação por meio da Lei de Acesso à Informação após ter recebido relatos dessa iniciativa.
Victor Godoy Veiga solicitou o provimento do cargo em 17 de novembro de 2020, pelo ofício nº 696/2020. O plano era que Arilton fosse nomeado como gerente de projetos da secretaria-executiva do MEC, comandada à época por Godoy, com salário base de R$ 10.373,30.
Além desse ofício, foram encaminhados pelo MEC à Casa Civil outros seis documentos, como declarações de idoneidade moral, reputação ilibada, currículo e ausência de vínculos que pudessem configurar nepotismo.
O trâmite para nomeação de Arilton na pasta foi tocado pelo MEC até dezembro de 2020. No dia 11 daquele mês, consta no processo de nomeação a negativa da Casa Civil após consulta no Sinc (Sistema Integrado de Nomeações e Consultas).
A Folha de S.Paulo questionou o MEC e a Presidência, mas não recebeu respostas.
O presidente Bolsonaro decidiu manter Victor Godoy Veiga no cargo de ministro após a demissão do pastor Milton Ribeiro, ocorrida em 28 de março, na esteira do escândalo dos pastores.
Arilton Moura é secretário da entidade religiosa comanda por Gilmar Santos e o trata como chefe.
Como secretário-executivo, Veiga era número 2 de Milton Ribeiro no MEC e também esteve com os pastores. O cargo de secretário-executivo é considerado o motor da pasta, por onde passam praticamente todas as decisões.
Apesar de não ter conseguido nomear Arilton Moura como um de seus gerente de projetos, Victor Godoy Veiga abrigou em sua equipe no MEC, meses depois, um advogado ligado aos pastores. Luciano de Freitas Musse foi nomeado para um cargo de gerente de projetos em abril de 2021 e só foi exonerado no fim de março, após Milton Ribeiro ser demitido.
Musse integrava a comitiva dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura e esteve em ao menos três encontros oficiais com o agora ex-ministro Ribeiro antes de integrar a equipe do MEC.
Mesmo sem cargos no governo, os pastores circulavam no MEC e no Palácio do Planalto com grande assiduidade. Os pastores evangélicos visitaram 127 vezes o Ministério da Educação e o FNDE durante o governo Bolsonaro.
Os dois pastores têm proximidade com Jair Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. Eles também somaram 45 entradas no Palácio do Planalto desde 2019.
Só Arilton Moura esteve 90 vezes no MEC. O equivalente a uma vez por semana, considerando todo o período em que Milton Ribeiro esteve no cargo.
O ex-ministro e os pastores negam qualquer irregularidade. Os três também foram procurados, mas se mantiveram em silêncio.
No currículo entregue ao governo federal, Arilton Moura afirma ter se graduado em administração em 2016 pela Faiara (Faculdade Integrada de Araguatins). A instituição aparece como extinta no sistema de cadastro da pasta, o e-MEC. Ele ainda teria feito ciências contábeis na Universidade Federal do Pará, com conclusão em 2004.
Entre as experiências profissionais, ele cita trabalhos no governo do Pará em 2018 e no período entre 2007 e 2011.
O religioso ainda descreve suas habilidades: “Experiência em liderança; objetivo; comunicativo; íntegro e boa relação com as pessoas (Networking)”.
A Folha de S.Paulo mostrou como os pastores usavam um hotel no Setor Hoteleiro Sul de Brasília para negociar com prefeitos e receber integrantes do governo. Funcionários relataram à reportagem ter visto Arilton com uma barra de ouro no bolso no restaurante do hotel.
Milton Ribeiro deixou o cargo uma semana após a revelação pela Folha de S.Paulo de áudio em que ele afirma que o governo prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores Gilmar e Arilton.
Na gravação, Ribeiro diz ainda que isso atende a uma solicitação de Bolsonaro e menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro na conversa obtida pela Folha de S.Paulo em que participaram prefeitos e os dois religiosos.
Após a divulgação de áudio em que diz priorizar amigos do pastor Gilmar a pedido de Bolsonaro, Milton Ribeiro afirmou ter levado à CGU (Controladoria-Geral da União) denúncia a respeito de uma suposta atuação indevida de pastores em agosto do ano passado.
O ex-ministro afirmou à TV Record, em 24 de março, que teria recebido o pastor Arilton “uma ou duas vezes depois da denúncia” e acrescentou que chegou a proibir que ele fosse ao MEC. Os dados oficiais negam o relato.
A CGU recebeu ofício do MEC sobre denúncia envolvendo Arilton em 27 de agosto. Depois disso, o ex-ministro recebeu outras 13 vezes o pastor Arilton em seu gabinete, enquanto Gilmar fez 3 visitas.
O governo Bolsonaro chegou a colocar sob sigilo informações sobre reuniões e visitas ao Palácio do Planalto realizadas pelos pastores. No último dia 14, o GSI (Gabinete de Institucional) recuou e disse que a dupla esteve 35 vezes (ou 45, se consideradas as entradas individuais) no Planalto desde o começo do governo.