Durante as eleições brasileiras de 2018, um pequeno grupo de contas e páginas monopolizou a produção de conteúdo político no Facebook. Segundo documentos internos da empresa de Mark Zuckerberg obtidos pelo Estadão, o País sofreu com a ação dos chamados “superprodutores”, usuários que publicam um alto volume de conteúdo – nos arquivos, o Brasil é citado como “a mais recente grande democracia a enfrentar uma assustadora erupção de desinformação e ódio no Facebook”.
As informações aparecem nos “Facebook Papers”, um pacote de documentos da empresa vazados para um consórcio internacional de veículos de imprensa, incluindo Estadão, New York Times, Washington Post, Guardian e Le Monde. A divulgação foi feita à Securities and Exchange Commission (SEC, na sigla em inglês), órgão regulador das empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos. Os arquivos também foram fornecidos ao Congresso americano de forma editada pelo consultor jurídico de Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook que coletou pesquisas internas da rede social após pedir demissão em maio deste ano por discordar das atitudes da companhia.
Um dos documentos, de 28 páginas, traz uma publicação interna de 13 de outubro de 2018 na qual pesquisadores da empresa discutem problemas relacionados a eleições em diferentes países – no arquivo, há um tópico chamado “lições aprendidas no Brasil”. A empresa afirma que, em 7 de outubro daquele ano, dia do primeiro turno das eleições presidenciais do País, 18,4 milhões de publicações políticas foram criadas por 6,7 milhões de perfis ou páginas na plataforma. Porém, 35% desse material foi publicado por apenas 3% das contas – ou seja, 6,4 milhões de posts políticos foram gerados por apenas 201 mil contas.
Segundo o estudo, 74 milhões de pessoas distintas visualizaram os materiais, gerando 2,74 bilhões de visualizações. Os pesquisadores do Facebook calculam que as contas que monopolizaram a produção de conteúdo receberam 28% dessas visualizações, ou 767,2 milhões. Mas a concentração de audiência pode ter sido maior.
“A boa notícia é que 72% das visualizações de conteúdo político ocorreram fora do material dos 3% de produtores, certo? Não muito. Minha análise simplista não leva em conta a propagação, uma prática em que vários usuários coordenados postam ou compartilham de novo o mesmo conteúdo (mas criando postagens diferentes)”, afirma um pesquisador no documento. “Uma análise que olhasse os padrões de difusão de conteúdo provavelmente revelaria ainda mais concentração”.
O relatório trata da atuação dos “superprodutores” de conteúdo político, contas que ultrapassam os limites do que seria o engajamento intenso “regular” na plataforma, ganhando influência desproporcional na conversa política.
Os pesquisadores demonstraram preocupação com a situação: “Se o Facebook deve ser uma praça pública verdadeira e democrática, todos os envolvidos devem poder fazer uma contribuição para a conversa política. Mas nem todos os sujeitos políticos são iguais em sua capacidade de investir na conversa”, diz outra parte da pesquisa.
A concentração de produção de conteúdo não é um fenômeno só do Facebook – a prática é apontada em várias redes sociais, como o Twitter. Segundo estudo do instituto de pesquisas Pew Research Center publicado na quarta-feira, 17, os 25% usuários do Twitter mais ativos nos Estados Unidos produzem 97% dos tuítes no país – a pesquisa, porém, não faz o recorte de produção de discursos políticos.
Segundo o arquivo vazado do Facebook, o problema é mais grave quando há monopólio de conteúdo político. “Se você ganhar (na produção) de conteúdo não-político, você ganha um pouco mais de dinheiro. Se você vencer (na produção) de conteúdo político, você consegue controlar a entidade que detém o monopólio da violência (ex: Estado)”, disse um dos pesquisadores no documento.
Conexão
Segundo o documento, os superprodutores têm motivações variadas: podem ser pessoas profundamente comprometidas com sua ideologia, “spammers” mercenários (pessoas pagas para replicar exaustivamente a mensagem), agentes de influência estrangeira ou “um pouco de tudo”. O Facebook especula que o trabalho poderia ter duas origens principais: alguns seriam pagos por agentes políticos ou spammers para postar o mesmo conteúdo político milhares de vezes por dia, enquanto outros fariam as postagens simplesmente por acreditarem firmemente em suas ideologias.
Em outro arquivo analisado pelo Estadão, no qual é discutido o papel de conservadores na desinformação na Macedônia, um funcionário sinaliza que o problema também pode acontecer em rede. “Eu não ficaria surpreso em ver uma rede (de atores maliciosos) que conecta operações nas Filipinas, Mianmar, Brasil e Macedônia. É um campo globalizado,” comenta um funcionário no relatório de julho de 2018.