Metade dos homicídios no Brasil não são esclarecidos; só 4 Estados têm alta eficácia de apuração

Mais da metade dos homicídios no Brasil ficam sem resposta, de acordo com levantamento inédito realizado pelo Instituto Sou da Paz a ser divulgado nesta quarta-feira, 13. O indicador de esclarecimento até avançou nos últimos anos, chegando a 44% na pesquisa mais recente, mas só quatro Estados são classificados como tendo alta eficácia na investigação e responsabilização de assassinatos.

Os indicadores estaduais apresentam grande disparidade. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, 89% dos crimes dessa natureza são esclarecidos com apresentação de denúncia criminal à Justiça contra o acusado. No Rio, o segundo Estado onde menos se resolve homicídios, a porcentagem é de 14%. São Paulo ficou em uma faixa intermediária, com 46% de resolução.

O estudo do Sou da Paz acionou todos os Estados em busca de informações de esclarecimento de homicídios. Dezesseis deles e o Distrito Federal responderam com dados suficientes para a análise. A pesquisa leva em consideração assassinatos cometidos em 2018 (ano em que foram registrados mais de 48 mil homicídios dolosos) que tenham sido resolvidos com apresentação de denúncia no mesmo ano ou até o fim de 2019.

O número nacional de esclarecimentos da pesquisa mais recente é 12 pontos percentuais maior do que os 32% obtidos nos três levantamentos anteriores realizados pelo instituto. Em 2015, 2016 e 2017, o número de Estados que tinham fornecido dados completos tinha sido menor do que a pesquisa mais recente: seis, 12 e 11, respectivamente. Assim, o levantamento divulgado nesta semana forma o mais completo cenário sobre a capacidade investigativa nacional a respeito de crimes de homicídio.

Segundo a pesquisa, o líder Mato Grosso do Sul (89%) é seguido por Santa Catarina, com 83%, Distrito Federal, 81%, e Rondônia, 74% de resolução. Só esses quatro Estados aparecem com alta eficácia de esclarecimento. Outros oito Estados são classificados como tendo média eficácia (entre 66% e 33% de esclarecimento), enquanto outros cinco estão abaixo de 33%, o que os coloca em posição de baixa eficácia.

“A forma como cada Estado faz a gestão da segurança pública varia muito. Há aqueles que realizam a gestão profissional das instituições, se baseiam em métricas e resultados e alcançam bons resultados. O Mato Grosso do Sul tem um monitoramento permanente que é muito bom. O Espírito Santo, que está num patamar intermediário mas vem subindo ano a ano, tem seu governador na mesa acompanhando os indicadores de elucidação”, explica Carolina Ricardo, diretora executiva do Sou da Paz.

“A investigação na maior parte dos casos é feita pela delegacia do bairro ou da cidade do interior, que tem atribuição territorial. Em muitas cidades, a solução de homicídios é de 100%. Na capital, há uma equipe de sobreaviso para atendimento imediato a esses crimes”, disse ao Estadão Carlos Delano, delegado da Delegacia Especializada de Homicídios do Mato Grosso do Sul, que cita a integração com o Ministério Público e com a Polícia Militar como diferencial no trabalho.

Para o delegado-geral da Polícia Civil do MS, Adriano Geraldo Garcia, já existe uma cultura nas forças policiais do Estado de dar resposta rápida aos familiares e à sociedade nos crimes contra a vida. “Temos indicadores de solução de homicídios melhores até que dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos. Isso se deve ao material humano e aos investimentos em inteligência e tecnologias que facilitam a investigação.”

O indicador nacional que aponta 44% de resolução de casos deixa o Brasil abaixo da média mundial, que é de 63%, segundo dados reunidos em 72 países. A porcentagem brasileira, no entanto, é compatível com a média de 18 países das Américas (região do mundo onde menos se esclarece assassinatos), que é de 43%. Na Europa, o indicador é de 92%.

“Acabar com a impunidade significa, em matéria de crimes contra a vida, retirar criminosos perigosos – alguns responsáveis por inúmeras mortes – de circulação, dissuadir novos crimes e mortes em espirais de vingança, e efetivar o direito à verdade e à memória daqueles que foram diretamente afetados”, escrevem os pesquisadores na análise brasileira.

Ao longo de quatro edições da pesquisa, somente dois Estados apresentaram aumentos contínuos no esclarecimento de assassinatos: Espírito Santo e Rondônia. Os demais apresentaram oscilação, como foi o caso de São Paulo e da Paraíba, que em 2018 tiveram a primeira redução em relação ao ano anterior. Já Acre, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, reverteram contínuas reduções na solução dos casos.

O Sou da Paz destaca que o levantamento tem por objetivo fomentar o debate sobre a necessidade de se estruturar adequadamente indicadores de segurança pública para o correto diagnóstico do cenário brasileiro. O estudo, ressalta, possui limitações que ora superestimam a capacidade de solução dos casos, ora a subestimam. “O dado cria a métrica e fomenta o debate, pressionando os Estados a responderem e se preocuparem um pouco mais com o tema”, diz Carolina.

O dado, por exemplo, leva em consideração prisões em flagrante, aquelas que ocorrem até 24 horas após o crime e que não dizem respeito propriamente a uma investigação detida da ocorrência, podendo ter ocorrido por força de atuação da Polícia Militar. Por outro lado, o indicador não leva em consideração a autuação de adolescentes em crimes análogos a homicídios. É sabido que essa condição representa uma minoria entre os adolescentes apreendidos.

Por fim, a análise do instituto incorpora recomendações a serem seguidas com o intuito de melhorar o acompanhamento dos crimes violentos, além de sugerir diretrizes que incrementem a capacidade investigativa dos casos de homicídio. O fortalecimento da perícia criminal e a criação de equipes especializadas de investigação integram as orientações direcionadas aos governos.

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