A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (29) o Projeto de Lei 21/20, que estabelece fundamentos e princípios para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil, listando diretrizes para o fomento e a atuação do poder público no tema. A matéria será enviada ao Senado.
O projeto, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), foi aprovado na forma do substitutivo da relatora, deputada Luisa Canziani (PTB-PR). O texto define como sistemas de inteligência artificial as representações tecnológicas oriundas do campo da informática e da ciência da computação. Caberá privativamente à União legislar e editar normas sobre a matéria.
Essencialmente, a inteligência artificial funciona por meio de programações usadas em sistemas computacionais, aplicativos ou mesmo máquinas que permitem ao programa aprender a perceber, interpretar e interagir com o ambiente externo, fazendo predições, recomendações ou classificações ou tomando decisões.
Esse aprendizado ocorre a partir de objetivos definidos pelos criadores do sistema e se aplica ao sistema de aprendizagem de máquina (machine learning); aos sistemas baseados em conhecimento ou em lógica; às abordagens estatísticas; e aos métodos de pesquisa e otimização.
O projeto lista vários aspectos que dependerão de regulamentação do Executivo federal por meio de órgãos e entidades setoriais com competência técnica na área, como as agências reguladoras e o Banco Central.
Para Bismark, a proposta sinaliza para o mundo que o Brasil está atento à inovação e à inteligência artificial. “A inteligência artificial já faz parte da nossa realidade, e o Brasil vai ainda fazer outras legislações futuramente. O momento agora é de traçar princípios: direitos e deveres e responsabilidades”, defendeu.
Os órgãos deverão monitorar a gestão do risco dos sistemas de inteligência artificial no caso concreto, avaliando os riscos de sua aplicação e as medidas de mitigação; estabelecer direitos, deveres e responsabilidades; e reconhecer instituições de autorregulação. Quanto ao uso transparente e ético de sistemas de inteligência artificial no setor público, o poder público federal deverá promover a gestão estratégica e orientações.
Diretrizes de atuação
O texto aprovado aponta várias diretrizes para atuação da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação ao uso e fomento dos sistemas de inteligência artificial no Brasil.
Entre elas destacam-se o dever de estimular a criação de mecanismos de governança transparente e colaborativa com a participação de representantes de vários setores; promover a cooperação internacional e a negociação de tratados, acordos e padrões técnicos globais que facilitem a “conversa” (interoperabilidade) entre os sistemas e a harmonização da legislação a esse respeito; e estimular a adoção de instrumentos regulatórios que promovam a inovação.
O poder público deverá atuar ainda para estimular a capacitação e a preparação das pessoas para a reestruturação do mercado de trabalho; e estimular práticas pedagógicas inovadoras, com visão multidisciplinar com reflexos sobre o processo de formação de professores.
Segundo a relatora, a principal inspiração das modificações vem da proposta em tramitação no Parlamento Europeu e no Conselho da Europa para uma nova legislação europeia a respeito de inteligência artificial.
“Procuramos orientar a futura atividade regulatória nesse campo de modo a não inibir o desenvolvimento tecnológico, mas resguardando os cidadãos brasileiros de eventuais riscos”, afirmou Luisa Canziani.
Ela ressaltou que não seguiu o modelo europeu quanto à proibição a priori de certos tipos de inteligência artificial ou de quais seriam de alto risco, deixando essas definições para a regulação ou autorregulação setorial posterior.
Diretrizes na aplicação
Quando disciplinar a aplicação da inteligência artificial, o poder público deve observar diretrizes como a intervenção subsidiária, a atuação setorial, a gestão baseada em risco, a participação social e interdisciplinar, a análise de impacto regulatório e a responsabilidade.
O texto define as seguintes diretrizes:
– intervenção subsidiária: desenvolver regras específicas para os usos desses sistemas apenas quando absolutamente necessário;
– atuação setorial: a atuação do poder público deve considerar o contexto e as normas regulatórias específicas de cada setor;
– gestão baseada em risco: o desenvolvimento e o uso dos sistemas de inteligência artificial deverão considerar os riscos concretos e a probabilidade de ocorrência desses riscos em comparação com potenciais benefícios e riscos apresentados por sistemas similares sem inteligência artificial;
– participação social e interdisciplinar: normas baseadas em evidências e precedidas por consulta pública;
– análise de impacto regulatório: as normas devem ser precedidas de análise de impacto regulatório; e
– responsabilidade: normas sobre responsabilidade dos agentes devem se pautar na responsabilidade subjetiva, levar em consideração a efetiva participação desses agentes e os danos específicos que se deseja evitar ou remediar.
Relações de consumo
Quando a utilização do sistema de inteligência artificial envolver relações de consumo, o agente responderá independentemente de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores e no limite de sua participação efetiva nesses danos, observado o Código de Defesa do Consumidor.
De qualquer forma, as pessoas jurídicas de direito público ou privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O texto aprovado determina ainda que, na gestão com base em risco, a administração pública poderá, em casos concretos de alto risco, solicitar informações sobre as medidas de segurança e prevenção e respectivas salvaguardas. O acesso a esses dados deve observar os segredos comercial e industrial, mas também devem ser compartilhados nos termos e limites de transparência estabelecidos pelo projeto.
Princípios
Sobre os princípios, o texto prevê que os sistemas de inteligência artificial devem buscar resultados benéficos para a humanidade (finalidade benéfica); o respeito à dignidade humana, à privacidade, à proteção de dados pessoais e aos direitos fundamentais, quando o sistema tratar de questões relacionadas ao ser humano (centralidade do ser humano); e diminuir a possibilidade de uso dos sistemas para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos (não discriminação).
Outros princípios são a busca pela neutralidade; a segurança e prevenção; a inovação responsável; a disponibilidade de dados; e a transparência, observados os segredos comercial e industrial, sobre o fato de estarem se comunicando com sistemas de inteligência artificial ou sobre os critérios gerais que orientam seu funcionamento.
Objetivos
Entre os objetivos, o texto cita o desenvolvimento científico e tecnológico; a promoção do desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo e do bem-estar da sociedade; o aumento da competitividade e da produtividade brasileira; a inserção competitiva do Brasil nas cadeias globais de valor; a melhoria na prestação de serviços públicos e na implementação de políticas públicas; a promoção da pesquisa e desenvolvimento com a finalidade de estimular a inovação nos setores produtivos e a proteção e preservação do meio ambiente.
Fundamentos
O substitutivo de Canziani lista ainda 15 fundamentos relativos ao desenvolvimento e à aplicação da inteligência artificial no Brasil.
Confira os principais:
– a livre manifestação de pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
– o estímulo à autorregulação por meio da adoção de códigos de conduta e guias de boas práticas;
– a segurança, a privacidade e a proteção de dados pessoais, nos termos da Lei 13.709/18;
– a segurança da informação;
– a preservação da estabilidade, segurança, resiliência e funcionalidade dos sistemas de inteligência artificial por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais; e
– a harmonização com a Lei Geral de Proteção de Dados, com o marco civil da internet, com o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11), com o Código de Defesa do Consumidor e com a Lei de Acesso à Informação.
Todas as regras terão vigência 90 dias depois de publicadas.
Emendas rejeitadas
O Plenário rejeitou duas emendas do deputado Bohn Gass (PT-RS). Uma delas pretendia incluir, entre os princípios da regulamentação, a promoção da inclusão, da diversidade e da equidade com a participação ativa em processos de consulta pública de grupos potencialmente afetados pela tecnologia específica.
A outra emenda exigia que a análise de risco deveria ser efetuada no âmbito de um relatório de impacto de inteligência artificial.
Com informações da Agência Câmara de Notícias
Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara